Mecânica atual de contingências e provisões brasileiras

No cenário brasileiro empresarial, os gestores jurídicos possuem algumas formas de modelar os valores que serão apresentados nos balancetes e balanços empresariais. Mesmo as empresas que não precisam respeitar as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na prática atual buscam harmonizar para obterem a validação e certificação de auditorias internas ou externas.

Para que este artigo tenha algum valor científico, é preciso reconhecer que na prática atual, o valor de causa não é uma grandeza utilizada e que as premissas devem partir do valor do pedido, da contingência que será atribuída a este pedido e por fim, da provisão que se espera constituir para suprir o desembolso de caixa, dentro ou fora do exercício fiscal.

Para que a compreensão seja fluida, apresentaremos em tópicos para que o leitor seja estimulado a concatenar termos técnicos que são utilizados neste cotejo entre direito e contabilidade.

  1. Grandezas utilizadas

Como dissemos anteriormente, pouquíssimas empresas ainda adotam a postura de apresentar nos demonstrativos financeiros o valor da causa, pois não representa o bem da vida perseguido pelo autor.

Essa preocupação tornou-se estimulada pela promulgação do CPC de 2015 que conscientizou os patronos dos requerimentos iniciais a melhor estimar o bem da vida perseguido.

O bem da vida pode ser chamado de valor do pedido. Em uma ação judicial é costumeiro a existência de vários pedidos e cada um merece a sua quantificação, risco e determinação da contingência e da provisão.

Nas minhas aulas sobre o tema, costumo esclarece que as contingências nada mais é do que a visão do requerido sobre os pedidos do autor. Em outras palavras, é o que o requerido acredita que poderá representar uma perda ao seu patrimônio.

Já as provisões é a reserva financeira que o requerido estima, para o pagamento de uma contingência que já atingiram um valor certo, determinado e com classificação provável.

Uma das dúvidas mais comuns entre alunos desta disciplina é a relação entre classificação de risco, contingências e provisões.

O Brasil não foi feliz na construção dessa norma e do ecossistema econômico de mensurar ações ou procedimentos jurídicos. Isso porque, admitiu-se uma classificação norte-americana (IAS37) para determinar um grau de perigo de desembolso de caixa. O que não fica bem esclarecido é como e se esta classificação está relacionada ao exercício fiscal ou ao fim do processo/procedimento judicial. E é ai que muitos juristas acabam confundindo e realizando provisões exageradas em suas apresentações ao balanço empresarial.

Por definição contábil, uma empresa administra seus recursos financeiros por exercícios fiscais, que tradicionalmente no Brasil seguem o calendário gregoriano, ao passo que nos Estados Unidos, segue-se Abril ou Agosto, atravessando o próximo ano. Seja como for, uma empresa tem como missão estimar seus recursos disponíveis, suas reservas, seus lucros e seus passivos (circulantes e não circulantes) dentro daquela expectativa de exercício.

Por outro lado, advogados muitas vezes apresentam a expectativa e a classificação de risco da ação judicial com base no tempo que será finalizada, que frequentemente vai muito além do ano fiscal da empresa. Em outras palavras, o advogado estima em linha do tempo diversa do que a empresa precisa apresentar em seus balanços.

Nas aulas costumo dizer que toda provisão é a diminuição do capital de investimentos da empresa. Se ela precisa reservar recursos, não poderá utilizar para o seu próprio crescimento. E é por isso que inúmeros CFOs nos procuram na tentativa de apresentar aos advogados essa triste realidade.

Não é que se pretenda debater sobre ser ou não conservador. O advogado pode ser conservador, mas deverá adequar-se ao exercício fiscal, ao invés de provisionar valores que não serão desembolsados no caixa daquele exercício. Se o forem nos próximos anos, o ajuste deverá ser feito trimestralmente.

Um dos erros mais comuns é a antecipação da provisão, por trata-se de causa repetida e que fatalmente levará a um desembolso. Contudo, se aquele desembolso não possui uma característica viva de saída de recursos daquele ano, a provisão está equivocada.

Portanto, fique atento a sua carteira e identifique se a provisão constituída reflete o exercício fiscal do ano-corrente. Se ela está divergente, é preciso repensar os conceitos, pois não equivalem as regras contábeis. Não se provisiona aquilo que não representará uma expectativa de desembolso no ano-corrente. É por isso que servem as contingências. Quando o passivo é futuro e incerto, como diz a norma, você deve contingenciar e não provisionar. Há uma diferença enorme nas grandezas e uma consequência notável no planejamento de fluxo de caixa empresarial.

Apresentaremos agora, as principais modalidades utilizadas no Brasil para constituir contingências e provisões.

2. O Ticket Médio

Nas empresas do segmento de varejo e indústria é muito comum a utilização de valores medianos para apresentação de contingências e provisões, especialmente em ações cíveis e trabalhistas. As ações tributárias, pela sua complexidade e relações administrativas-fiscais que possuem seguem critérios mais tradicionais.

De forma básica, o ticket médio refere-se a um valor mediano que comporta uma relação entre algumas premissas: (a) valores de condenação de exercícios anteriores; (b) fase atual do processo; (c) relação de êxitos/perdas de exercícios anteriores. Outros elementos poderão ser incluídos nesta equação para obter-se a mediana, mas geralmente utilizam-se estes acima para compor valores de uma provisão.

De 2013 para cá e pelo aumento do uso da jurimetria no Brasil, muitas empresas incluem na mediana, um coeficiente advindo da coleta de dados de casos semelhantes das empresas concorrentes, na expectativa de melhorar a calibragem da contingência e da provisão ou apresentar justificativas aos desvios padrões que naturalmente ocorrem em qualquer exercício estatístico.

As contingências e as provisões são naturalmente incertas e a própria norma utiliza essa frase. É dever do advogado encontrar uma equação que seja justificável e possível de ser provada sua coerência frente as auditorias. Mas isso não significa deter o controle absoluto dos números, posto que os elementos que compõe são altamente voláteis e dependem de circunstâncias que fogem ao controle cartesiano.

Nas pesquisas e nos anos de experiências obtidos com o assunto, identifiquei que o Ticket Médio é uma boa forma de contingenciar e provisionar processos judiciais dada a sua facilidade de aglutinar premissas e compactá-las a uma equação que seja possível a qualquer leigo obter contraprova do método.

Do ponto de vista da auditoria é tolerável, do ponto de vista da coerência jurídica também e sob o aspecto econômico, muito se aproxima da realidade do desembolso, pois coleta elementos advindos de perdas históricas da empresa. Salvo a existência de alterações significativas na forma de apresentar defesas ou algum plano de ação estabelecido no exercício corrente com os escritórios externos, as perdas históricas são um elemento fundamental para antever qual o valor de caixa empresarial será necessário para cumprir a condenação.

3. A segregação por pedidos

O método de segregação por pedidos é o mais moderno de todos, pois considera risco, contingência e provisão sobre cada pedido na ação judicial. No Brasil não é muito utilizado pela dificuldade das auditorias, controladorias e contabilidades não terem conhecimento das Deliberações da CVM ou métodos da SEC (IAS37).

A forma é muito simples. Para cada ação judicial, uma série de pedidos são realizados. O advogado coleta tais informações e realiza um juízo de valor sobre cada pedido, atribuindo-lhe o risco, a contingência e a provisão. O relatório final não consiste na apresentação do valor de contingência sobre o processo, mas sobre o pedido. Em outras palavras, ao invés do tradicional método de informar que determinado processo possui uma contingência X, o profissional passa a apresentar uma relação de pedidos, classificando por pedidos, ainda que decorram de vários processos. O interesse não é apresentar uma relação entre processos, mas uma relação entre pedidos, pouco importando se o processo será revelado ou não.

Neste método, a técnica é apresentar no balanço empresarial um valor que informe o desembolso mais provável, possível ou remoto observando pedidos ao invés de número de processos, natureza, vara, rito, foro,  etc.

Esse tipo de métrica é muito utilizada por empresas globais e de capital Europeu ou Norte-Americano. A experiência nos traz a memória que muitas das empresas utilizam um caminho misto. Isto é, gostam de ter este controle registrado no sistema jurídico, mas quando apresentam seus relatórios para controladoria, buscam estimar por processo que é o método mais tradicional e que veremos a seguir.

4. O pedido global

O pedido global é o mais comum no Brasil. Os profissionais possuem em seus sistemas jurídicos ou planilhas eletrônicas uma divisão de pedidos, com risco, contingência e provisão somente para fins gerenciais, jamais de controles ou visando constituir informação no balanço empresarial.

O pedido global tem suas imprecisões. Por exemplo: em casos onde um processo possua três pedidos e que cada um deles tenha uma classificação (provável, possível e remota), qual seria a classificação do processo? Alguns entendem que seria provável e que os valores de contingência e provisão devem ser apenas pedidos classificados como provável, desprezando o possível e o remoto. Outros decidem provisionar o todo, mesmo cientes de que neste processo existam pedidos não prováveis.

Essa imprecisão leva ao gestor/decisor a adotar um risco global, uma contingência global e uma provisão global sobre o processo. O problema são as incoerências, posto que se não há um manual, cartilha ou política de risco de processos e contingências, a empresa fatalmente criará um exercício de subsunção que dificilmente poderá ser justificada ou melhorada no curso do tempo.

Não é questão apenas de mera atividade jurídico-administrativa. Como costumo dizer aos alunos: – todo valor provisionado é dinheiro que se deixa de investir no crescimento da empresa.

O uso consciente deste método passa pela admissão dos gestores na necessidade de criar as políticas de contingências e provisões em suas áreas para determinar as regras de interpretação e subsunção sobre as naturezas das ações. Este pequeno ajuste auxiliará a própria estimativa de caixa empresarial.

5. As excludentes

Durante o fechamento contábil de contencioso, que geralmente ocorre em forma de balancete trimestral (Jan-Mar, Abr-Jun, Jul-Set e Out-Dez) e o balanço anual, é comum o questionamento sobre o que deve compor as excludentes, isto é, os valores que deverão ser descontados da provisão que foi estimada nos processos.

Como era de se esperar, a norma não oferece resposta pronta e você deverá constituir um bom racional para tornar confiável suas demonstrações financeiras.

Em nossa experiência, qualquer valor financeiro comprometido com o processo judicial e que está em condição de garantir o desembolso final é uma excludente.

A responsabilidade de terceiros, que se pode provar através de documentos (acordo de quotistas, fusões e aquisições, vendas, alterações societárias, termos de responsabilidades e participações) podem ser utilizadas como excludentes.

Os pagamentos realizados no processo, desde que apresentem uma relação direta com um futuro desembolso, também poderão ser utilizados para deduzir o valor da provisão. Essa regra aplica-se aos depósitos judiciais e as garantias que estão em constrição judicial, como dito no primeiro parágrafo deste tópico.

6. Definindo boas práticas

Seja qual for o método que sua empresa adota para constituir contingências e provisões, você deve ter em mente alguns aspectos:

  1. O ponto de partida é SEMPRE o bem da vida perseguido (pedido) e nunca o valor da causa
  2. As Contingências servem para apresentar desembolsos futuros e incertos. Se você não pode estimar um desembolso real no ano-corrente, não provisione, contingencie.
  3. As Provisões estão ligadas ao ano-corrente e a classificação provável. Se você tem elementos objetivos de que haverá um desembolso e uma necessidade de reserva para sustentar o caixa empresarial, faça a provisão; do contrário, contingencie
  4. Admita uma política escrita de contingências e provisões no seu jurídico. Fuja de subsunções e de exercícios complexos de interpretação. É instável e a boa prática internacional tem mostrado que empresas com este comportamento recebem menos investimentos e possuem menor credibilidade em seus resultados
  5. Ofereça as auditorias métodos qualitativos de conferência da sua base. Evite conviver com métodos de amostragens ou de subjetivismo exagerado. Determine as regras para validação de sua base
  6. Na circularização, oriente antecipadamente os escritórios quanto a uniformização de informações nas plataformas eletrônicas. Mantenha um controle atualizado e evite dissabores
  7. Contrate estudos somente quando necessário. Muitos dos estudos vendidos apenas demonstram o que você mesmo já sabe.
  8. Invista na capacitação de profissionais internos ou contrate externos com experiência em foco na melhoria das suas informações financeiras. O dinheiro dos processos está diretamente ligado ao esforço de investimentos empresariais que deixam de existir com uma provisão equivocada ou fora de esquadro.
  9. Admita a existência de aplicações de fechamentos. Ferramentas de contencioso controlam processos, mas não foram desenvolvidas para fechamentos contábeis. Você pode usar o Excel, mas já existe coisa muito mais avançada neste setor e que economizam tempo e dinheiro.
  10. É do administrador da empresa a responsabilidade da contingência e provisão. O escritório externo não. Nem a lei das S.A., nem o Código Civil e nem as normas da CVM informam essa prática. Também, os poderes ad judicia não se estendem aos de administração empresarial, certo? Para maiores esclarecimentos sobre esse tópico, procure nas outras seções deste site artigos específicos sobre o tema.

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